Fernando
Sabóia Vieira, Bsb, jun/13, AD.
“Não andeis ansiosos de coisa alguma; em
tudo, porém sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e
pela súplica, com ações de graças.
E a paz de Deus, que excede todo
entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus.”
Filipenses 4:6-7
O texto diz para não andarmos ansiosos. O que significa aí
essa expressão, andar? Ela quer dizer
permanecer, se manter, prolongar-se nesse estado. É natural que experimentemos
ansiedade, é, na verdade, praticamente inevitável, neste mundo caótico e hostil
em que vivemos, que em alguns momentos estejamos ansiosos. Mas não devemos andar ansiosos. A ansiedade não pode se
tornar uma condição constante, algo habitual em nossa vida, ao ponto de moldar
nossa personalidade e nosso caráter: não podemos nos tornar pessoas ansiosas.
Quando
isso acontece com alguém, quando a ansiedade impregna seu ser, a pessoa sempre
encontrará um motivo, real ou não, para continuar ansiosa, com graves danos a
si mesma e aos outros com quem se relaciona.
Ansiedade
significa ter a mente dividida, confusa, perdida no mundo das inseguranças, das
possibilidades, dos medos, do que pode ou não acontecer. A alma ansiosa
perambula por lugares áridos, tudo temendo, tudo esperando, constantemente fora
de casa, do santuário onde deve morar: o santuário da comunhão com a Presença
íntima de Deus, que habita no Seu templo que somos nós! Ali, somente ali, a
alma encontra descanso, alimento, identidade e significado.
Assim, o grande dano causado pela
ansiedade é que ela retira nossa atenção de onde devemos sempre estar focados.
Deixamos de olhar para o Senhor e de perceber o sentido espiritual de tudo o
que nos acontece e nos dispersamos no caos e nas trevas que aparentemente nos
cercam.
Em Mateus 6:22-24 encontramos as
seguintes palavras de Jesus:
“São os olhos as lâmpadas do corpo. Se os teus olhos forem bons (puros, simples), todo o te corpo
será luminoso. Se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em
trevas. Caso a luz que há em ti sejam trevas, quão grandes trevas serão!”
A
palavra aqui traduzida por “bons”
significa, literalmente, puros, no
sentido de simples, sem contaminação,
sem mistura. Ter olhos bons, ou puros, então, quer dizer olhar para uma única
coisa, ter um único foco, manter a atenção numa única coisa, que deve ser Deus
e a realidade do Seu Reino espiritual: “olhando, firmemente, para o Autor e Consumador da nossa fé”.
Nossa
sociedade moderna sofre de um grave e profundo transtorno de déficit de atenção.
Como está constantemente procurando alívio para sua falta de valores e de
sentido para a existência, distrai-se, se dispersa na diversão que lhe é
multiforme e abundantemente oferecida pelas mídias. Nós, pessoas modernas,
especialmente aqui no Ocidente, temos profunda dificuldade em nos
concentrarmos, em focarmos nas coisas essenciais, verdadeiras, simples e
profundas que constituem o mundo espiritual.
O
“olhar” significa a maneira de
considerar, de compreender e apreender a realidade que nos cerca. Nós não
podemos escolher os estímulos externos nem controlar as circunstâncias da vida,
mas podemos decidir sobre o que trazemos para dentro de nós e sobre como
interiorizamos essas coisas, à semelhança com o que fazemos em relação aos
alimentos para nosso corpo. Não temos que comer tudo o que se oferece a nós a
cada momento. Do mesmo modo, precisamos aprender a alimentar a alma com o que
vai santifica-la e vivificá-la.
Esse
é um dos sentidos da expressão “guardar o coração”, de onde “procedem as fontes da vida”.
Se
não tivermos um “olhar puro”, contaminaremos nosso coração com pensamentos e
sentimentos confusos e distorcidos, e nos encheremos de trevas espirituais.
Passaremos a ser dominados por medos, paixões, mentiras, preconceitos,
ignorância, obsessões, prisões emocionais e mentais.
Tudo
isso vai produzir ansiedade e se esse estado se prolonga na alma esta se
desagrega, se fratura, perde sua identidade pessoal e significado, podendo cair
no desânimo em qualquer de suas formas: pânico, desespero, apatia, depressão.
É fundamental que desenvolvamos em
nossas vidas as disciplinas espirituais que buscam o controle dos pensamentos e
dos sentimentos. Hoje em dia, muitos ensinam a considerar tudo o que brota do
íntimo da pessoa como natural e aceitável. Pode até ser mesmo natural, mas
considerando que temos uma natureza dominada pelo pecado, nem tudo que vem do
nosso íntimo agrada a Deus. De fato, Jesus disse que é do coração que procedem
as contaminações que comprometem toda a vida espiritual.
A
Palavra nos indica, por exemplo, no que pensar:
“Finalmente, irmãos, tudo o que é
verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro,
tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum
louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Filipenses 4:8).
“Pensai nas coisas lá do alto, não nas que
são aqui da terra” (Colossenses 3:2).
Igualmente,
o que sentir:
“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus,
santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de
mansidão de longanimidade” (Colossenses 3:12).
“Tende em vós o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5).
Esse
é um tema que merece uma discussão adequada em outro espaço, mas quero apenas
deixar duas indicações para os interessados.
Uma,
a lembrança de que o domínio próprio é fruto do Espírito Santo e de que, assim,
podemos e devemos ser aperfeiçoados nisso, pois Ele está em nós.
A
outra é uma dica dos antigos mestres da igreja. Quando temos dificuldade com
algum pensamento ou sentimento impuro ou inadequado, que insiste em nos
assaltar, o melhor a fazer é não dar atenção a ele, não lutar contra ele, mas
ignorá-lo e voltar a mente e o coração para o que deve ser objeto de nossa
meditação e busca. O caso é que quando nos esforçamos para não pensar ou não
sentir, alimentamos esse pensamento ou sentimento.
Imagine-se
tentando prestar atenção em uma aula quando há um barulho externo. Quanto mais
você prestar atenção no ruído, mais ele ocupará sua mente. Se, ao contrário,
você focar no professor, logo não prestará mais atenção no barulho externo.
Talvez você tenha que fazer isso várias vezes, voltando-se de novo para a aula,
mas com o tempo se disciplinará.
Quando
Deus é nosso único foco, é Aquele para quem constante e repetidamente se dirige
nosso olhar, somos iluminados por Sua luz, e podemos ver todas as coisas,
inclusive aquelas que escapam à percepção do homem natural.
Prosseguindo
como texto de Filipenses 4:6-7, Paulo nos diz que, ao contrário de andarmos
ansiosos, devemos fazer “conhecidas diante de Deus” todas as nossas petições, “pela oração e pela súplica, com
ações de graças”.
Deus
conhece, de fato, todas as coisas, mas nem todas as coisas estão “conhecidas diante dele”,
isto é, apresentadas, submetidas, expostas, entregues a Ele.
Quando
nós levamos nossas petições a serem conhecidas diante de Deus nós podemos nos
desapegar delas, nos despendemos delas, somos delas libertados. Deixamos todas
aquelas situações nas mãos de quem tem o poder para resolvê-las, de quem nos
ama e cuida de nós muito melhor do que nós mesmos. E, assim, encontramos a paz
da submissão e da confiança.
Muitas
vezes somos nós mesmos que retemos conosco nossas preocupações e ansiedades.
Fazemos isso porque elas dizem respeito a “tesouros” do nosso coração, coisas que
queremos, sonhos, expectativas, difíceis de entregar ou renunciar.
Quando
as colocamos diante de Deus, deixamos tudo por conta do Seu cuidado e estamos
nos dispondo a aceitar Sua vontade, que pode não ser igual a nossa.
O
texto diz “pela oração e pela súplica”.
Orar e suplicar são diferentes. Uma envolve mais a mente, a outra mais o
coração. Quando oramos, utilizamos a razão, a argumentação, somos propositivos,
descritivos. Quando suplicamos, expressamos nossos sentimentos, nossas emoções,
nossos temores e expectativas.
Assim,
devemos orar e suplicar, colocar todo nosso ser diante de Deus, pois essa é a
postura da fé, que inclui a totalidade do que somos: razão, sentimento,
inteligência, emoção, corpo, alma e espírito. Essa é a maneira como poderemos
obter a paz de mente e também de coração!
Devemos
nos lembrar, no entanto, de que, “a oração não muda Deus, mas transforma o
homem que ora” (Kierkegaard). Quando oramos, expressamos nosso estado de
filiação a Deus e vamos sendo moldados à Sua imagem, como filhos.
Assim,
podemos não saber o que Deus vai fazer, mas sabemos quem Ele é, e é essa
consciência potencializada pela fé que produz a paz que excede todo
entendimento e que nos transforma em pessoas não ansiosas, mas espirituais. O
resultado a ser buscado na oração e na súplica deve ser sempre esse encontro
existencial com o Pai.
Como
sabemos que nossa oração e súplica atingiram esse ponto? Sabemos que chegamos
nesse santuário de adoração íntima quando, em meio a nossos pedidos e clamores,
fluem as ações de graças, o louvor, a adoração.
Tendo
colocado diante do Senhor nossas petições, embora não possamos compreender
todas as coisas e ainda que não vejamos, de imediato, resultados externos, mas,
no entanto, tendo sido tomados pela consciência da Presença soberana de Deus e
do Seu amor, louvamos e agradecemos por Ele ser quem Ele é e por Ele nos tornar
quem devemos ser, independentemente de tudo o mais.
Paulo
não diz que nossas petições serão atendidas, mas nos assegura paz de mente e de
coração! Paz na mente porque ainda que não tenhamos todas as respostas temos
confiança no Deus que sabe todas as coisas; paz no coração porque o Seu amor
lança fora todo o medo.
FSV/13.