Uma Carta Aberta aos
Aflitos de Alma
Caros
companheiros de jornada em busca da vida interior,
Tem sido minha convicção, nos últimos
anos, que um dos maiores desafios da Igreja nesses nossos dias, no cumprimento
de sua missão, é lidar com os ansiosos, desanimados, abatidos, deprimidos e
aflitos de alma. Recebê-los, acolhê-los, apoiá-los, consolá-los, animá-los.
Corrigir suas más posturas, seus sentimentos distorcidos, suas ideias
corrompidas, e suas condutas inadequadas com graça e verdade, com gentileza e
firmeza, com afeto e com a por vezes indispensável dor.
Não tenho em mente apenas aqueles que já
se encontram em estados profundos de ansiedade e depressão, de sofrimento e de
desesperança. Penso, igualmente, nos que cotidianamente se deparam com dúvidas,
aflições, temores, perigos e inseguranças, que experimentam perdas, decepções e
frustrações em qualquer idade ou fase da vida. Crianças, adolescentes, jovens,
adultos e idosos que vivem num mundo caótico, enganoso, difícil de compreender
e que experimentam essa humana existência com suas maravilhosas potencialidades
e sua inescapável angústia, com suas conquistas e derrotas. Não excluo desse
contingente, por essa condição, os já convertidos. Ao contrário, esses nos
confrontam de modo particular, com suas perguntas e perplexidades.
Honestamente, estou incluído, pessoalmente, nesse grupo de irmãos e irmãs que
lutam diariamente para viver sua fé de forma autêntica, saudável e criativa.
Jesus disse: “Vinde a mim todos vós
que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o
meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e
encontrareis descanso para vossas almas.”.
Esse é, de fato, um texto difícil de
acomodar com nosso ensino e prática. Jesus não está, aqui, convocando
“pecadores ao arrependimento”. Ele está convidando os quebrados de alma, os
cansados e sobrecarregados ao alívio propiciado por Sua companhia.
Ao expormos essa passagem do Evangelho,
nós logo destacamos que “jugo” – a canga de madeira a que se atrelava uma junta
de bois para o serviço no campo- significa “governo” e que se trata, portanto,
de uma convocação ao arrependimento, à obediência e à submissão ao Reino de
Deus, ou seja, a Sua vontade expressa em Seus mandamentos.
Certamente que essa ideia está contida
nessas palavras de Jesus e tem amplo apoio no Novo Testamento. Mas, nessa
passagem de Mateus, ela é subjacente, está implícita. Não é esse o ponto
central. “Jugo” significa também compartilhamento, ajuda, consolo, caminhar ao
lado para fortalecer, ensinar, animar. Creio ser esse o sentido aqui empregado
pelo Senhor: o convite para dividir com Ele o peso da caminhada, para repartir
as lutas e dramas da vida, para estar em Sua companhia. Essa interpretação
também tem amplo apoio nas Escrituras, quando descrevem o ministério sofredor e
carregador do Messias, o qual tomou sobre Si as nossas dores, culpas, castigos
e sofrimentos.
E qual será o resultado desse
compartilhar de jugo com Jesus? O fruto dessa união será uma profunda
transformação interior. Ao caminhar com Ele, aprendemos a ser mansos e humildes
de coração. E é essa mudança que leva a alma ao descanso, pois substitui a
ansiedade, os conflitos e os temores por um correto relacionamento de
dependência e confiança com o Deus Criador. Na comunhão com Ele, temos o
necessário suporte de amor, de fé e de esperança para enfrentar os danos do pecado,
o caos da vida e a angústia da existência.
Não foi esse convite um episódio
isolado na vida do Mestre. Por todo o relato dos Evangelhos encontram-se
histórias de Seu coração compadecido e cheio de misericórdia pelos aflitos e
oprimidos de alma, por aqueles a quem via como “ovelhas sem pastor”, antes de
ver como pecadores destinados à condenação. Pedro, discípulo e apóstolo, O
chama, por essa razão, de “bispo e pastor de almas”.
Não estou dizendo que Jesus oferecia apenas conforto de alma, a exemplo de
muitos que estão por aí oferecendo bem-estar psicológico como se fosse salvação
e prazer emocional como se fosse santidade. Mas é incontestável que Seu
evangelho do Reino de Deus e Seu pastoreio divino sossegam, descansam,
restauram e santificam a alma, tornando plena a vida dos filhos de Deus,
regenerados pelo Espírito Santo.
O
que me preocupa é que, a despeito de todo esse testemunho das Escrituras, nós,
cristãos, muitas vezes, com palavras e atitudes, estamos dizendo aos cansados e
sobrecarregados de alma uma de duas coisas: ou estamos clamando “convertei-vos,
pecadores miseráveis” ou os estamos despedindo vazios com o conselho “ide aos
psicólogos, médicos e terapeutas curar vossa alma”.
Há, como penso, algo fora de lugar
aqui. Jesus chamou para Si esses aflitos e cansados de alma. Deus sabe que eu
sou um desses, que por Sua Graça atendi ao chamado. Sem Ele, como encontrar
alívio e descanso? A proposta de Deus para o homem em Jesus não é a de apenas
resgatá-lo da condenação do pecado e curá-lo, mas a de fazer dele nova
criatura, gerá-lo novamente, santificá-lo, torna-lo Sua imagem para, enfim,
glorificá-lo e revestí-lo de imortalidade.
Assim, ao invés de seguir o mundo e
enviar os cansados e sobrecarregados à procura de uma “cura de alma” alheia ao
propósito espiritual para o qual fomos criados, acredito que devemos ter como
desafio e como alvo repercutir o convite de Jesus e buscar algo muito mais
profundo e coerente com a vontade de Deus: a santificação da alma.
Um corpo saudável não é um corpo sem
doenças, mas um corpo cujos sistemas fisiológicos e cujas faculdades estão em
plenas condições de funcionalidade, apto para as atividades e tarefas normais
da vida. Do mesmo modo, uma alma santa, “saudável”, não é aquela que tão
somente foi curada de suas feridas e traumas, que foi redimida do pecado e
libertada da sua escravidão, mas, sim, aquela que tem suas faculdades e
potencialidades plenamente vivificadas, desenvolvidas e energizadas pelo
Espírito Santo, aquela que foi transformada em sua natureza para ser semelhante
ao Seu Criador.
O texto de 1ª aos Tessalonicenses 5:23
tem sido frequentemente utilizado para apoiar uma visão tripartida do ser
humano – corpo, alma e espírito. No entanto, o que Paulo expressa de modo
enfático é que Deus deve santificar – conservar íntegro e irrepreensível – o
homem todo, completamente, integralmente, cada uma de suas partes, em todos os
aspectos de sua existência.
“Hagiazo holoteles”, “santifique em tudo”, poderia ser
traduzido como “santificação holística”, resgatando-se uma excelente palavra
bíblica.
O tema da santificação tem sido, não
raro, abordado mais em seus aspectos negativos e relacionados ao corpo,
preconizando-se a renúncia aos atos pecaminosos e o afastamento do mundo. Não
se tem tão frequentemente enfatizado o sentido positivo e abrangente da
santificação, como a aquisição de virtudes e a transformação do ser interior,
isto é, a dimensão própria da alma.
Quando falamos em santificação da alma
estamos nos referindo à transformação do homem interior – seus pensamentos, ideias,
sentimentos, valores, conceitos, vontades – e ao desenvolvimento pleno de suas
faculdades – inteligência, imaginação, contemplação, fé, amor, determinação.
Nossa convicção é a de que Deus nos
quer dar uma existência plena, santa em todos os aspectos, frutífera e
proclamadora. Assim, evitamos falar estritamente em “cura” da alma, pois cremos
que o propósito do Senhor vai muito além. Referimo-nos à santificação da alma,
entendida em seu sentido mais abrangente – holístico.
Estamos nos propondo, na exploração
desse tema, a fazer o seguinte percurso:
- · Considerar o que compõe essa dimensão interior do ser humano, analisando os termos bíblicos relacionados com alma, coração, mente, e espírito;
- · Pensar como se caracteriza, em termos bíblicos, uma alma santa;
- · Buscar elementos para discernir os diversos estados de alma, considerada a corrupção do pecado;
- · Identificar os pecados mais próprios da alma;
- · Traçar caminhos para a santificação da alma.
Queremos
abordar esses tópicos como matérias para estudo, meditação, e discussão,
conscientes de sua complexidade. Esperamos, em breve, poder compartilhar o que
temos pensado sobre cada um deles.
Finalmente,
devo destacar que não escrevo na condição de profissional ou de especialista em
qualquer das diversas disciplinas e ramos do conhecimento que disputam espaços
nessa área. Escrevo como cristão e como companheiro de jornada daqueles que tem
buscado viver uma vida cristã autêntica, integral e transformadora.
Em
especial, escrevo como quem compartilha as aflições, sobrecargas e cansaços de
alma com tantos outros nesse caminho e que tem encontrado, mercê da preciosa
Graça de Jesus, socorro e descanso em tempos oportunos.
Que a Graça de Jesus seja com todos
Brasília, janeiro de 2013, AD.
Fernando Sabóia Vieira