terça-feira, 14 de setembro de 2010

Volto Quando Chover

Caros,

Estaremos viajando por duas semanas e não sei se terei acesso ao blog durante esse tempo.
Como bom nordestino, volto quando chover.

Até lá, deixo com vocês mais alguns versos sertanejos da lavra do Corisco, um dos vários seres que habitam minha alma, para que possam aguardar o final da seca com aquela esperança que só o povo do semi árido consegue ter.


A chuva


Quem já viu a chuva cair na caatinga?

Quem já sentiu o cheiro da terra engolindo
E vomitando a água
O mormaço subindo
Fazendo o tempo abafado
E o sertanejo atento, contido, calado?

Quem já viu as plantas esbranquiçadas
Se tomarem de verde, renascendo
Desafiando a morte anunciada?

A teimosia nordestina
Da ressurreição do sertão
Da esperança inventada
Da vida colhida cada dia
Da luta sempre enfrentada
Na dor e na alegria


Fernando Sabóia, de "Com o Nordeste na Alma".

sábado, 11 de setembro de 2010

UM POUCO DE THOMAS MERTON, 2 (1915-1968)

O QUE É A MEDITAÇÃO?


Meditar é refletir seriamente. Esse é o sentido mais amplo da palavra “meditação”. Nessa acepção, esse termo não se limita às reflexões piedosas, mas implica uma atitude mental séria e uma certa concentração que não permite que nossas faculdades vaguem ao acaso, ou permaneçam vazias e sem objetivo.

Esclareçamos desde logo, no entanto, que a reflexão, tal como a entendemos aqui, não é equivalente a uma atividade puramente intelectual e menos ainda a um simples raciocínio. Ela envolve não apenas não apenas o espírito, mas também o coração, e o nosso ser por inteiro. Aquele que verdadeiramente medita não se contenta em pensar: ele ama, e, por seu amor - ou pelo menos por sua intuição amorosa que o faz aprofundar a realidade, objeto de suas reflexões - ele nela penetra e a conhece, por assim dizer, por seu interior, por um tipo de identificação. Para São Tomás e São Bernardo de Clairvaux a meditação (consideratio) é “a busca da verdade”, muito diferente, todavia, do estudo, que também é uma “busca da verdade”.

Naturalmente, meditação e estudo podem estar intimamente ligados. De fato, o estudo não é espiritualmente proveitoso se não conduzir a algum tipo de meditação. Sempre que estudamos, procuramos a verdade nos livros ou em outras fontes exteriores a nosso espírito; quando meditamos, tentamos penetrar naquilo que já compreendemos. Refletimos nos princípios já apreendidos e os aplicamos a nossas vidas. Em lugar de nos contentarmos em acumular fatos e idéias na memória, nós nos esforçamos em pensar de maneira original, por nós mesmos.

Quando se trata de estudar, é-nos suficiente que uma idéia seja verdadeira, basta-nos conhecer a verdade. A meditação é para aqueles que não se satisfazem com um conhecimento puramente objetivo e conceitual da vida, de Deus, das finalidades últimas, para os que querem entrar em contato íntimo com a verdade, com Deus e experimentar as realidades mais profundas da existência vivendo-as.

Assim, embora se defina a meditação como “uma busca da verdade” (inquisito veritatis), o que coloca em destaque o fato de ser, antes de tudo, uma função da inteligência, ela implica algo mais. São Tomás e São Bernardo faziam alusão a uma meditação essencialmente religiosa, ou pelo menos filosófica, que tende a colocar nosso ser inteiro em comunicação com uma realidade última que nos ultrapassa. Esse conhecimento unificante e amante começa pela meditação mas atinge seu pleno desenvolvimento na oração contemplativa.

Isso é muito importante. Estritamente falando, a meditação religiosa é, ela mesma, de início, uma questão de pensamento, mas seu objetivo final não é o pensamento. A reflexão meditativa é apenas o começo de um ato que conduz à oração interior e deve, normalmente, levar, a final, à contemplação e à comunhão afetiva com Deus.

Todo esse processo (pelo qual a meditação leva à contemplação) constitui a oração mental. Na prática, empregam-se indistintamente os termos “meditação” e “oração mental”. Mas se considerarmos mais precisamente a meditação, percebemos que ela não é mais do que uma pequena parte das complexas atividades interiores que formam a oração mental; ela se constitui na primeira dessas atividades, o momento pelo qual o coração e o espírito se preparam, por uma série de exercícios interiores, para se unirem a Deus.

Uma vez que o pensamento despojado de qualquer intenção afetiva começa e termina na inteligência, ele não leva nem à oração, nem ao amor e nem à comunhão. Assim, tal pensamento não está no escopo da oração mental. Pensar dessa maneira não é meditar; é uma atividade fora da esfera da religião e da oração. Não temos o que dizer a esse respeito aqui. Apenas destaquemos que perde seu tempo alguém que espere apenas com o raciocínio satisfazer a necessidade de meditação da alma. Meditar não é apenas “pensar”, mesmo quando se pretende chegar a uma boa decisão moral; é muito mais do que uma reflexão prática.

O que distingue a meditação religiosa é que ela é uma busca da verdade que provém do amor e uma busca de apreender a verdade não apenas pelo conhecimento, mas também pelo amor. É, em conseqüência, ma atividade intelectual que é inseparável de uma verdadeira consagração do espírito e de um grande comprometimento da vontade. O amor, em nossa meditação, aprofunda e clarifica nosso pensamento dando a ele um caráter verdadeiramente afetivo. Apreciamos então o valor escondido na verdade buscada por nossa inteligência. Esse mover afetivo da vontade, que procura a verdade como um bem supremo, eleva a alma para acima do nível da meditação e transforma nossa busca da verdade numa oração repleta de amor respeitoso e de adoração que se esforça para atravessar a escura nuvem que se interpõe entre nós e Deus. Nós nos arremetemos contra essa nuvem suplicando ao Senhor que a faça desaparecer, choramos nossa pobreza, nossa impotência, adoramos a misericórdia divina e Suas supremas perfeições, nós nos consagramos inteiramente a Ele.

A oração mental se assemelha, assim, a um rojão. Inflamada por uma faísca do amor divino, a alma transportada por um ato de inteligência tão claro e direto quanto o rastro luminoso do rojão sobe aos céus. A graça que liberou as fontes de energia mais profundas do nosso espírito nos ajuda a nos elevarmos a alturas surpreendentes. No entanto, nossas faculdades próprias atingem rapidamente seus limites. A inteligência não consegue ir mais longe. Chega um momento em que o espírito interrompe sua trajetória inflamada como que reconhecendo seus limites e proclama a supremacia infinita dAquele que jamais pode ser alcançado: Deus.

É então que nossa “meditação” atinge seu apogeu. O amor retoma a iniciativa e o rojão “explode” numa cascata de louvores. Ele lança numerosas estrelas incandescentes, ações de todos os tipos que exprimem o que há de melhor no espírito humano, e faíscas jorram da alma para glorificar a Deus antes de caírem por terra e morrerem no vento da noite.

É por essa razão que São Alberto, o Grande, mestre de São Tomás de Aquino em Pais e Colônia, opõe a contemplação dos filósofos à contemplação dos santos.

A contemplação dos filósofos nada busca além de sua própria perfeição e não ultrapassa a inteligência. Mas a contemplação dos santos inflama-se do amor dAquele a quem contempla: Deus. Assim, ao invés de terminar em um ato de inteligência, ela passa pela vontade para chegar ao amor.

São Tomás de Aquino, seu discípulo, destaca com concisão que por essa razão o contemplativo conhece a Deus sob a luz de um amor em chamas: per ardorem caritatis datur cognitio veritatis (comentário ao Evangelho de São João, cap. V).

A contemplação dos filósofos, que é uma simples meditação intelectual sobre a natureza divina tal como ela está refletida nas criaturas, seria então como um rojão que se eleva aos céus sem jamais explodir. Do mesmo modo que a beleza do rojão está na sua “morte”, a beleza da oração mental e da contemplação mística reside no abandono total da alma que se exprime numa multidão de louvores nos quais ela se esvazia completamente para render testemunho à bondade transcendente do Deus Infinito. E o resto é silêncio.

Não nos esqueçamos jamais que o silêncio profundo, no qual as palavras perdem seu poder e os conceitos sua força, é, talvez, a meditação perfeita. Não temamos e não nos agitemos quando não pudermos mais “agir”. Antes, regozijemo-nos e descansemos nas trevas luminosas da fé. Esse “repouso” é uma forma mais elevada de oração.

Thomas Merton, Direction Spirituelle et Méditation, ed. Albin Michel, 1962.

Trad. Fernando Sabóia Vieira