quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Fragmentos de Sabedoria

 Provérbios 15

 

 

v. 12 “O escarnecedor não ama aquele que o repreende, nem se achegará aos sábios”

 

 

         Vivemos numa geração de escarnecedores. A ridicularização, a exposição, grotesca, o assédio, a injúria, os ataques públicos à honra e à imagem das pessoas, em forma de escárnio, de piadas, de memes etc. se tornaram estratégias de promoção pessoal e de enriquecimento para muitos por meio das redes sociais e em eventos públicos de todos os tipos, inclusive religiosos.       

         Mesmo entre comunicadores e influenciadores que se identificam como cristãos há os que cedam ao caminho fácil do escárnio, da brincadeira maliciosa e da ridicularização de pessoas, por vezes disfarçados com algum discurso de espiritualidade e de denúncia do mal, para capturem seguidores e audiências em proveito dos próprios interesses.

         Nas relações pessoais, o escárnio começa, não raro, em forma de brincadeira e de crítica bem-humorada, mas logo revela sua face maligna e produz danos pessoais que afrontam o amor e a graça de Jesus. Infelizmente muitos são feridos dessa maneira no meio da Igreja, que deveria ser o ambiente mais acolhedor e mais promovedor do amor.

         Quando apoiamos, apreciamos, visualizamos e curtimos esse tipo de manifestação e, mais ainda, quando isso compartilhamos, mesmo em grupos restritos, estamos nos “assentando na roda dos escarnecedores”, nos tornando um deles.

         Faz parte do amor que devemos aos próximos, presenciais ou virtuais, preservarmos sua honra e dignidade como pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus, e buscarmos, de todas as maneiras, proclamar a eles o Reino e o chamado para que se tornem filhos do Pai Celestial. Especialmente em relação àqueles que percebemos tão longe do caminho da salvação.

 

 

 

Fernando

 

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

UMA JORNADA..., 2

Caros, prossigo com a publicação de partes do livro "Uma Jornada em Busca da Vida Interior", a ser publicado e forma impressa. 


2)   A vida interior segundo as Escrituras

 

 

Por toda a Bíblia encontramos a declaração de que o relacionamento do homem com Deus deve incluir a pessoa inteira, a partir de seu íntimo, os seus pensamentos, conceitos, valores, sentimentos, motivações e vontades, e não apenas suas palavras e atos exteriores.

Os homens e mulheres aprovados por Deus eram os “retos de coração”, “íntegros”, “justos”, no pensar, no falar e no agir. Manifestavam uma inteireza, uma coerência entre o que eram interiormente e o que expressavam exteriormente, certa qualidade de alma e de espírito em tudo o que sentiam, desejavam, diziam ou faziam.

É também patente nas Escrituras que a fonte de vida e de santidade flui a partir de uma operação direta de Deus na natureza humana, produzida no seu interior, em sua alma e espírito, e não da observância formal, exterior, de rituais e mandamentos.

Esse processo atua em direção à plenitude da existência e da pessoa humana pela experiência da vida de Jesus dentro de cada um. Esse era o mistério outrora oculto revelado no Evangelho.

Os textos seguintes podem dar um panorama sobre a precedência e importância da vida interior para uma espiritualidade autêntica e frutífera, isto é, para uma vida humana válida, plena, abundante e eterna. Alguns deles serão tratados adiante com mais detalhes, mas, nesse passo, é importante mencioná-los juntos, ainda que brevemente.

 

 

a)      Salmo 51:6, 10; Provérbios 4:23; Jeremias 9:23-24

 

O Senhor não se agrada com exterioridades ilusórias, mas com a verdade no íntimo daquele que o busca. Isso foi compreendido claramente pelos profetas e homens de Deus desde o Velho Testamento. A Bíblia de Jerusalém traduz “eis que amas a verdade no fundo do ser” (Salmo 51:6).

Davi teve a clara revelação do que Deus queria dele: “cria em mim um coração puro e um espírito inabalável”(Salmo 51:10). Ele sentiu necessidade de uma profunda transformação interior, algo que somente o Senhor mesmo poderia produzir, criar a partir do nada.

 

 

Do coração procedem as fontes da vida, o fluir da nossa existência, a energia que nos mantém vivos (Provérbios 4:23). Nosso sustento e vitalidade estão intimamente ligados ao nosso mundo interior, não apenas ao nosso corpo físico. Se nosso coração estiver guardado em Deus, dele fluirá vida, caso contrário, contaminação e morte.

A finalidade última da vida do homem não está nos aspectos externos de inteligência, riqueza ou poder, mas no conhecimento pessoal de Deus, na união com Ele (Jeremias 9:23-24). 

 

 

b)      Salmo 19:14; 2o Crônicas 16:9

 

Temos que buscar agradar a Deus não apenas com nossas palavras, mas também com o “meditar do coração”, com nosso diálogo íntimo e constante com Ele, que conhece todos os nossos segredos (Salmo 19:14).

É preciso que nossos pensamentos mais íntimos sejam transparentes e agradáveis a Deus, em cuja presença nós estamos.

O Senhor requer que o coração do homem se volte completamente para Ele, pertença totalmente a Ele. Essa é a condição para um relacionamento pleno com Ele, para a manifestação de seu poder e graça (2º Crônicas 16:9).

 

 

c)       João 4:13-14; 7:37-39; 14:23

 

A verdadeira adoração não está ligada a um local ou rito, a exterioridades, mas a um conhecimento e relacionamento pessoal e íntimo com Deus – é “em espírito”.

Muitas vezes confundimos elementos exteriores que dão suporte e contexto à adoração – os ajuntamentos, a música, o cântico, as ações de graças, os gestos – com a própria adoração, e colhemos disso, no melhor dos casos, apenas momentos de conforto emocional, que não nos colocam em comunhão com o Deus vivo e pessoal a quem adoramos e não nos transformam.

Os verdadeiros adoradores são, eles mesmos, simultaneamente, o local e a expressão da adoração, com suas vidas constante e conscientemente colocadas na Presença para serem transformadas em Sua Imagem e para refletirem Sua glória.

Jesus afirmou que é do interior que fluem os rios de água viva. É no íntimo do nosso ser que está o centro dinâmico e vital da existência, onde o Espírito Santo habita e opera, fazendo a vida fluir.

O Espírito vem fazer morada “em nós”, isto é, dentro de nós. Esse é o fato mais tremendo da história humana. O Deus Criador habitando em Sua criatura. No entanto, frequentemente nos esquecemos ou não estamos atentos a essa Presença em nosso íntimo, ocupados e distraídos que ficamos com as demandas da realidade exterior.

 

 

d)      Mateus 15:16-29; 23: 25-28

 

Jesus afirma que a contaminação do homem vem do coração, e não de suas ações exteriores. A religiosidade cerimonial, por ser exterior, não garante a saúde espiritual do homem. No entanto, um interior contaminado torna impura a pessoa inteira.

O grande problema dos fariseus era a incoerência entre a vida interior e a exterior. Exteriormente, podiam mostrar um comportamento religioso irrepreensível, mas interiormente estavam cheios de impurezas. Deus não lida com nossa aparência, mas com nosso coração. 

Sem uma vida interior verdadeira assumimos uma falsa piedade, nos tornando hipócritas, contraditórios, enfermos de alma e de corpo.

 

 

e)      Lucas 17:21

 

Jesus diz que o Reino de Deus não vem com visível aparência, mas que ele está “dentro” de nós. Pensamos muito nas manifestações externas do Reino, mas é dentro de nós que ele de fato está. É no nosso coração que o Reino deve se estabelecer e crescer, para que possa gerar frutos e produzir obras aceitáveis a Deus.

Assim, buscar o Reino de Deus em primeiro lugar deve ser também e principalmente buscar encontrá-lo dentro de nós, na habitação interior do Espírito, na comunhão íntima com o Pai.

 

 

f)       Filipenses 2:13

 

Deus opera “dentro” de nós, em nosso ser, o querer e o realizar. Ambas são operações interiores. O “querer” se refere à purificação da nossa vontade, do nosso amor, enquanto o “realizar” diz respeito ao poder espiritual necessário para viver a santidade.

Há uma atuação contínua do Espírito em nosso homem interior a moldar os sentimentos, pensamentos, e intenções e a capacitá-lo a viver de acordo com o querer de Deus. Precisamos estar atentos a esse agir de Deus em nós pois não somos totalmente passivos. Temos que buscar e receber voluntariamente o que o Senhor faz fluir em nós.

 

 

g)      Romanos 5:5; 7:22; 8:11,16,23 e seguintes; 12:1-2; 14:17

 

O amor de Deus é derramado nos nossos corações. É uma operação interior, espiritual, uma transmissão de vida, uma comunicação, um poder transformador que opera dentro do homem.

A vida no Espírito, descrita em Romanos 8, é essencialmente interior, operado no íntimo, na natureza humana. Essa é a fundamental distinção em relação à lei do pecado e da morte, ineficaz para transformar o homem.

Um aspecto fundamental dessa transformação interior é a renovação da mente. Nossos conceitos, pensamentos, ideias, valores e percepções precisam ser transformados para que possamos oferecer um culto coerente a Deus e conhecer Sua vontade.

 

 

h)      1a aos Coríntios 1:18-25; 2:6-16; 6:19

 

A presença e atuação do Espírito Santo em nós nos transformam de “homens psíquicos” em “homens pneumáticos”.

O homem psíquico é o homem natural, que vive sem conhecimento da Realidade e é limitado por suas faculdades corrompidas pelo pecado e desconectadas de Deus.

O Espírito sonda as profundezas de Deus e se comunica conosco em nosso íntimo. A partir dessa nova perspectiva, o homem espiritual pode discernir todas as coisas, pois está sendo formada nele a mente de Cristo.

 

 

i)       Efésios 4:23

 

A renovação do “espírito do entendimento” é essencial para que se possa despir o velho homem e se revestir do novo. Trata-se de uma transformação que deve ocorrer no nosso “homem interior”.

Não é possível assumir a nova natureza gerada pelo Espírito Santo se não passamos por um processo de transformação interior que envolve nosso pensamento, entendimento, vontades, valores etc. 

 

 

j)       Gálatas 5:16-25

 

O fruto do Espírito é uma completa transformação interior. Não se refere a exterioridades ou a práticas determinadas, não é produto de esforço, mas de uma ação direta, interna, de Deus na nossa natureza humana.

Para que ele se produza é necessário que “andemos no Espírito”, isto é, que estejamos a todo momento escolhendo conscientemente o que agrada ao Senhor para que ele gere em nós Sua própria vida e caráter.

 

 

k)      2a aos Coríntios 3:12-18; 4:16, 18

 

Quando nos convertemos é retirado o véu do coração e podemos contemplar Deus diretamente, face a face, como Moisés. Esse “olhar” para o Senhor não é físico, exterior, mas espiritual, interior, e é essa união íntima com Ele que nos transforma.

A operação da fé, a busca dos valores eternos do Reino e até mesmo as perseguições fazem com que, embora o homem exterior possa se corromper, o homem interior se renove para uma existência eterna.

 

 

l)       Efésios 3:14-21

 

Paulo ora para que os cristãos sejam fortalecidos com poder no homem interior, onde Cristo habita pela fé.

 

“É a pressuposição constante, ou ênfase específica, do ensino do Novo Testamento, de que a força para a vida cristã vem através da habitação do Espírito Santo na pessoa do crente... a expressão “homem interior” pode incluir, ou pelo menos afetar, tudo o que o Novo Testamento quer dizer por coração, mente, vontade e espírito. É o núcleo da personalidade, onde o Espírito procura fazer sua habitação e a partir daí transformar toda a vida de um homem”. 

 

Francis Foulkes, “Efésios, Introdução e Comentário”, ed. Vida Nova/Mundo Cristão.

 

Deus comunica seu poder santificador em nosso homem interior para nos regenerar, nos transformar em Sua própria natureza e Imagem e continuamente sustentar nossa vida.

 

 

m)    Colossenses 1:27-28

 

“Cristo em nós”, dentro de nós, habitando e transformando nosso ser. Essa é a síntese do plano de Deus para ter uma família de filhos semelhantes a Ele.

Jesus precisa ser formado em (dentro de) nós, antes de ser manifestado por meio de nós. O Espírito deve fortalecer nosso homem interior, para que possa veicular Seu poder através de nós. O Espírito nos vivifica a partir do interior, onde Ele habita e de onde transmite sua graça transformadora.

Ele se manifesta dentro de nós com sua revelação e dons, antes de nos usar como instrumentos. O Reino precisa crescer em (dentro de) nós antes de se expandir através do nosso serviço. Precisamos desenvolver nossas faculdades e habilidades espirituais, antes de nos aperfeiçoarmos nas naturais.

A santidade é essencialmente produto de uma ação sobrenatural do Espírito de Deus em nós, seu fruto, e não consequência de nossas escolhas e ações, que podem, no máximo, permitir ou impedir a ação do Espírito, mas jamais dar-lhe substância.

 




Seu conservo e companheiro de jornada,


Fernando

            


Fragmentos de Meditação

 Evangelho de Lucas, Capítulo 8

 

 

v.13 “... no tempo da tentação se desviam...”

 

v. 14 “... sufocados com os cuidados e riquezas e deleites da vida não dão fruto com perfeição...”

 

 

         As tentações colocam à prova a profundidade e solidez da nossa fé em Deus.

         Os cuidados, riquezas e deleites da vida revelam a dimensão do nosso amor ao Senhor.

         Os tempos de tentação e de provação, que inevitavelmente, como o sol, virão, requerem de nós perseverança, paciência, esperança e confiança no Senhor, que são atributos e expressões existenciais da fé.

         Não podemos permitir que essas circunstâncias nos paralisem, que nos deprimam e nem que se tornem dominantes em nossa vida. Precisamos, apesar delas, continuar a viver e a fazer o que estiver ao nosso alcance, o que for nosso serviço, sem desespero e sem desânimo, mesmo quando “cansados e sobrecarregados”. Esse é o momento e a oportunidade de nos colocarmos sob o jugo de Jesus e experimentarmos o descanso de alma que Ele proporciona.

         Quando nos vemos envolvidos com os cuidados da vida e temos oportunidades de acesso a bens, riquezas e confortos materiais, precisamos cuidar de não fazer desses nossos tesouros aos quais se apegue nosso coração.

         O Senhor é o nosso maior tesouro e o maior afeto do nosso coração, pois apenas Ele nos dá acesso à vida e aos bens eternos. Assim, nosso primeiro e maior mandamento, que deve merecer toda nossa dedicação, esforço e capacidades é amá-lo.

 

 

 

Fernando

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Fragmentos de Adoração

Salmo 138

De Davi

 

 

v.1 “Eu te louvarei, de todo o meu coração; na presença dos deuses a ti cantarei louvores”

 

 

         Louvar ao Senhor. Colocar em palavras e proclamar em alta voz quem Ele é e quão grandes e maravilhosos são seus feitos. Com todo o sentimento, pensamento, amor e disposição.

         “Em espírito e em verdade”. Com autenticidade, honestidade, coragem, transparência, compromisso, integridade.

         Ainda na presença dos poderes e autoridades, humanas e espirituais, glorificar a Deus, independentemente das voláteis e inseguras circunstâncias da vida, favoráveis ou desfavoráveis, mas contemplando as eternas e permanente realidades de Deus, sempre convergentes com o Seu propósito.

         O louvor e a adoração repercutem nas dimensões naturais e espirituais e atingem pessoas humanas e cósmicas. Nossa adoração é acompanhada e seguida pelos anjos e repudiada pelos demônios.

         Ela atrai outros adoradores e confronta os incrédulos.

         O lugar da adoração, o nosso coração e a congregação dos santos, se torna transparente à Sua Presença, que se faz mais nítida e quase tangível. Até mesmo o ambiente físico à sua volta se altera, se trans dimensiona.

 

         “Senhor, somos como instrumentos desafinados a tentar reproduzir perfeitas harmonias celestiais. A Ti, pois, elevamos a nossa alma para que Tu mesmo afines e harmonizes nossos pensamentos, emoções e vontades com o Teu coração, de modo que o Teu toque produza em nós o perfeito louvor e a perfeita adoração. Esse é o nosso desejo maior do que nosso desejo, nossa vontade maior do que nossa vontade, nossa busca maior do que nossa própria vida”.

 

 

Fernando

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

UM JORNADA EM BUSCA DA VIDA INTERIOR

Caros,


Começo a compartilhar aqui o conteúdo do meu livro "Uma Jornada em Busca da Vida Interior", que será eventualmente publicado em forma impressa.



 I – Início da Jornada: a Vida Interior

 

“Por isso não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia ... não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2a Coríntios 4:16,18)

“... que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior...” (Efésios 3:16)

 

 

Caros companheiros e companheiras de jornada em busca da vida interior,

 

 

Tenho, ao longo dos anos, lido, meditado e compartilhado sobre recolhimento, meditação, contemplação. Considero-me um absoluto iniciante nessas matérias, mas tenho sido fortemente movido pelo desejo de uma espiritualidade mais íntima, mais transformadora, mais centrada na comunhão com Deus. 

 

Uma linha de aprofundamento dessa busca se desenhou para mim a partir de dois textos paulinos nos quais ele contrasta o “homem exterior” e o “homem interior” (2a aos Coríntios 4:16-18; Efésios 3:16).

 

            Quero, assim, apresentar, aos que sentirem a mesma sede de experimentar os rios de água viva que fluem do “interior”, minhas reflexões sobre o tema, divididas em três partes: a primeira, sobre a tensão entre o “homem exterior” e o “homem interior”, como dimensões de consciência e de atividade da alma; a segunda, constituída pela breve exposição de vários textos bíblicos acerca da vida interior, demonstrando sua importância e natureza; e a terceira, dedicada à sugestão de um “roteiro de viagem”, para uma jornada em busca da vida interior.

 

Que a graça de Jesus seja com todos.

 


                                                           Fernando Saboia Vieira



 

1)   O homem interior e o homem exterior

 

A alma humana desenvolve suas atividades conscientes em duas dimensões: uma, interior, e outra, exterior, nas quais atuam as suas faculdades, ou potências, como diziam os antigos, a consciência, o pensamento, a cognição, a inteligência, a imaginação, os sentimentos, a vontade, a imaginação etc.

A dimensão interior das atividades da alma diz respeito a nossa autoconsciência, o nosso eu presente para si mesmo, o que “somos” momento a momento, a percepção de nossa própria existência como pessoas. Estamos sempre conscientes de nós mesmos, de nossos sentimentos, vontades e pensamentos, de uma “realidade interior” que está permanentemente em nós e que reconhecemos como a essência do nosso ser.

A dimensão exterior se refere à percepção daquilo que nos cerca, das atividades, realizações, problemas, aspirações e relacionamentos que nos inserem no ambiente físico, biológico, social e relacional em que nos encontramos, do qual participamos, e a que, de algum modo, pertencemos. Estamos sempre conscientes de tudo o que está à nossa volta, de estarmos imersos numa “realidade objetiva” com a qual temos que lidar.

Em todo momento, olhamos simultaneamente para ambas essas dimensões e, assim, nossa alma flutua continuamente entre o nosso mundo interior e o mundo exterior, ativando suas faculdades que se voltam para um e outro aspecto da existência.

Embora sempre atentos a essas duas dimensões, somos, no entanto, fortemente atraídos pela vida exterior, para a qual apelam nossos sentidos físicos e para a qual nos impulsionam nossas necessidades vitais a serem supridas. Tornamo-nos, assim, muito naturalmente sensíveis às possibilidades e circunstâncias do ambiente que nos cerca, as quais nos atraem, nos atemorizam, nos demandam, nos desafiam e geram desejos, medos, expectativas e conflitos, os quais sentimos e vivenciamos intensamente.

Desse modo, pode acontecer que nossa alma esteja constantemente “ausente de casa”, isto é, fora do contato com o seu mundo interior, com sua verdadeira identidade, seu valor eterno e seu significado pessoal, que apenas lhe são conferidos na sua  dimensão espiritual e íntima, onde o Espírito de Deus com ela se comunica.

Vivemos num mundo exterior repleto de imagens, sons, sensações, pressões, desafios, necessidades, tentações, aparências. Nossa alma passa a maior parte do tempo e investe a maior parte de sua energia vital em atividades “externas”, vagando no mundo das possibilidades, dos trabalhos, das realizações, dos perigos, dos desafios, envolvida com ansiedades, temores, aspirações, desejos etc.

Há, assim, um grande desgaste emocional e espiritual na busca de uma “realidade” que nunca está lá, que não podemos alcançar nem controlar e que não é capaz de suprir nossas necessidades mais fundamentais de identidade, sentido, valor e significado.

É um desgaste do “homem exterior” que não produz, todavia, renovação do “homem interior”; ao contrário, este também se enfraquece com o desânimo e desesperança, podendo chegar mesmo à exaustão e ao abatimento físico.

Há um mandamento da lei moral de Deus frequentemente esquecido, ignorado mesmo, pelos cristãos modernos:

 

“Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho...”.

 

Essa não é uma mera recomendação do Senhor para nosso conforto e bem-estar, nem um preceito ritualista. É uma ordem de Deus que desafia e confronta nosso ativismo, nossa cobiça, nossa busca de nossos próprios interesses, nosso egoísmo e, principalmente, nossa falta de confiança na bondosa providência de Seu amor.

Nós temos uma enorme dificuldade de parar e de descansar porque vivemos numa sociedade na qual o fazer define o ser. Enquanto estamos envolvidos em algum “fazer” nele encontramos sentido para a vida e assumimos uma identidade perante os outros. Mas, quando não estamos “fazendo” algo, nos deparamos com um vazio, um silêncio e uma falta de significado que nos assombram.

Somente quando paramos e descansamos, quando nos libertamos das externalidades da vida material e das sensações que nossos sentidos nos trazem a todo momento, é que temos a oportunidade de um verdadeiro encontro com a dimensão mais profunda de ser e de existir, para além do “fazer”, e estabelecemos um diálogo com nosso ser pessoal e com o Ser Infinito que nos chama a uma comunhão com Ele.

O ativismo moderno, que contamina também os cristãos, muitas vezes envolvidos em mega organizações, com mega orçamentos, megaprojetos e intensíssimas agendas, já foi chamado de a “heresia da ação”, quando pretende transformar o mundo por essa via, esquecendo-se de que a Igreja deve ter como primeiro alvo a santidade e o Reino de Deus.

Até mesmo a busca de santidade tem sido objeto de métodos, planos, estratégias, gestões e programas complexos, cansativos, verdadeiramente sobre-humanos, que pretendem atingir por meios naturais o que apenas se pode alcançar mediante a ação do Espírito Santo em nós.  

O fato é que o homem moderno teme profundamente o silêncio e a solitude. Prefere se manter distraído e alienado de si mesmo o maior tempo possível, enchendo-se de sensações, desafios, sons, imagens, prazeres, projetos para, assim, não precisar enfrentar aquelas perguntas fundamentais que fatalmente lhe ocorrerão nos momentos de quietude e de reflexão. 

Essa desconexão com sua natureza espiritual, todavia, é causa de angústia e sofrimento, e fonte das doenças de alma que assolam como epidemia esta geração.

Nossa civilização tecnológica, mais do qualquer outra na história, é pródiga em fornecer, de modo praticamente ininterrupto, distrações para ocupar os sentidos e entorpecer a alma.

Desse modo, nós ficamos, a maior parte do tempo, “ausentes” de nosso ser verdadeiro e profundo, não rotulado e não definido por suas atividades externas, nem pelas contingências do tempo.

Ora, o mundo físico “exterior” é caótico, perigoso e cheio de “aflições”, tanto quanto de atrativos e de seduções. Também é, na verdade, menos seguro e objetivo do que nossos sentidos parecem nos informar. O que se projeta em nossa mente a partir dele são sensações, percepções e informações filtradas pela nossa limitada capacidade de ver, de ouvir, de sentir, de perceber e de apreender.

Os mundos não físicos que nós criamos com nossos sonhos, fugas, alienações, medos e fantasias, também “exteriores” a nosso ser interior, são igualmente confusos, aflitivos e enganosos.

Tanto o mundo físico que nos cerca quanto os mundos de sonhos que criamos são, em boa medida, ilusões de nossos sentidos e de nossa mente. Eles não são a Realidade, mas apenas aproximações dela, representações parciais, eventualmente distorcidas, eventualmente verdadeiras, eventualmente belas, eventualmente assustadoras, mas que não podem nos levar a um encontro verdadeiro conosco mesmo e com a Vida.

Por outro lado, temos muitas dificuldades em buscar interiormente o sentido para nossa vida, o silêncio e a nossa identidade essencial, pois tememos encontrar aí um grande vazio, perguntas que não respondemos, esperança que não temos, uma inquietação (angústia) permanente de viver e de, finalmente, não viver.

Ocorre que quando nossa vida é assim orientada pelo “exterior”, voltada intensamente para essa dimensão, ela perde contado com sua origem, com sua fonte de vida, e não consegue encontrar “lá fora” nada que de fato a satisfaça, lhe dê sentido e significado.

Muita debilidade espiritual e doença de alma tem sua origem nessa desconexão entre o homem exterior e o interior, no enfraquecimento deste último e no superdimensionamento das atividades periféricas da alma em detrimento de uma busca efetiva de fortalecimento espiritual, que só pode vir das fontes interiores de nossa comunhão com Deus.

Essa tensão interior/exterior é, assim, num sentido, mais profunda do que aquela outra, pecado/santidade, uma vez que, quanto a esta segunda, muitos tentam viver uma vida de santidade guiados por pressões e estímulos “espirituais” também exteriores, como os legalismos e os usos e costumes aprovados pela religião, e não orientados pelo fluir do Espírito que, desde o interior, jorra como fonte para a eternidade.

A questão é saber como conectar nosso ser interior com as fontes da Vida, com a Realidade, isto é, com o próprio Deus pessoal e infinito, e, a partir dessa união, fluir para uma existência verdadeira e significativa que possa ordenar e harmonizar essas duas dimensões e, assim, dar sentido e integridade ao nosso ser e fazer.

Toda nossa atividade exterior será inútil, desgastante, doentia e potencialmente pecaminosa se não for orientada a partir do interior, da comunhão íntima com o Espírito Santo e sob a direção dele, mesmo que desenvolvida em função de necessidades reais, de bons propósitos e até mesmo em busca de espiritualidade.

Somente quando nossos pensamentos, sentimentos e vontades estão ordenados, purificados, transformados e guiados pelo Espírito que habita “dentro de nós” é que podemos ter uma vida saudável e significativa.

Quando falamos em “ordenar” a vida de alguém, ou a nossa própria, o que primeiro nos vem à mente são exterioridades, como o cumprimento dos mandamentos, a observância de um padrão de santidade nos relacionamentos, nas várias áreas da vida etc.  

Ainda quando falamos em “ordenar o caráter”, focamos muito em aspectos externos, como comportamentos adequados e a prática de atividades espirituais. No entanto, é do interior que flui o poder transformador do Espírito Santo para viver uma vida significativa e do agrado do Pai. É de lá que a vida verdadeira nos é continuamente comunicada e somente de lá ela pode ser transmitida.

Desse modo, mesmo procurando viver em santidade, podemos nos desgastar, nos frustrar grandemente com tensões e contradições e colher poucos frutos, se não tivermos uma vida gerada e guiada a partir do interior. 

Nossa “agenda” deve ser governada por nossa comunhão íntima com Deus, não por nossos sonhos e fantasias e nem pelo caos das circunstâncias.

O Senhor disse que viria fazer morada “dentro” de nós pelo Espírito Santo. Ele é o gerador, criador e sustentador da vida. O propósito da existência de todo ser criado é estar unido a Ele.

É do interior que fluem os rios de água vida, é lá que o Espírito nos vivifica, comunica o amor de Deus, intercede por nós, nos consola e nos transforma, produzindo Seu fruto.

O fortalecimento do homem interior se dá pela habitação de Cristo no coração, pela fé. Acontecendo isso, temos revelação do amor de Deus e podemos ser tomados de sua plenitude.

Quando nossa vida é gerada, dinamizada e dirigida a partir de seu verdadeiro centro, que é a união de nossa alma com Seu Criador, ainda que soframos desgastes oriundos de nossa existência neste mundo, somos renovados interiormente.

 

Na parte seguinte, vamos explorar alguns textos bíblicos que destacam a importância, a natureza e a precedência da vida interior para uma comunhão efetiva, profunda e transformadora com Deus.



Seu conservo e companheiro de jornada


Fernando